“Nunca haverá neste
mundo alguém que te ame como eu!” Profundo, não? Tenho que admitir que a
criatura que profere esse clichê tem autoestima elevada e confiança exacerbada
no seu potencial amoroso. Um amor de potência atômica, capaz de devastar o
terreno onde foi jogado. Neste caso, só resta se compadecer com a vítima desse
amor, afinal foi dada uma sentença de morte amorosa, “nunca mais haverá!”...jamais,
never!
Quando escuto coisa do
tipo, inevitavelmente lembro-me dos galãs com nomes compostos das novelas
mexicanas. Só pessoas de sangue temperado com “chilli”, são capazes de tamanha
dramaticidade. Pobre sentenciada!.....que depois da desagradável afirmação é invadida por uma carga emocional densa,
equivalente a uma descarga elétrica. Os dias passam e ela começa a crer que o
tempo (senhor do alívio) fará o amargo cotidiano perder o lugar. Mas eis que o
desespero emerge, se instala e leva embora sua frágil fé.
Esse é o ponto que eu
quero chegar: o desespero. Ele nasce do amor rejeitado que ainda impregna o
coração e abre clareira para que o medo se estabeleça. Medo de jamais conseguir
ser feliz novamente.
Em dias como esses em que vivemos, é difícil
conviver com a possibilidade de ser infeliz. Nunca se buscou tanto a felicidade,
que virou uma espécie de mito contemporâneo. Para algumas mulheres encontrar
alguém que lhes completem é um dos caminhos para essa tal felicidade. Esse amor complemento é um câncer cultural
difundido por Platão na sua obra O Banquete. Explico: quem o leu deve
lembrar que no elogio feito por Aristófane ele cria o mito da esfera. Ele conta que no
princípio homens e mulheres formavam um único ser de força extraordinária, o que fez essa criatura escalar o céu para enfrentar os deuses. Como castigo o ser foi separou dando origem a dois seres. Mutilados, eles tentavam
desesperadamente, através do beijo e do enlace, recuperar a parte que lhes
completavam. Segundo essa história, o amor nasce da falta que a outra parte faz, o mito legitima a unicidade
no amor. Apenas um Alguém, em todo o cosmo, pode te completar. A partir desse viés a história da querida Cinderela, dona do exclusivo e intransferível sapatinho de cristal, faz todo sentido, salta do conto de fadas para o mundo real.
Estamos, a mais de dois milênios, fadadas a procurar a outra metade da esfera, a banda da laranja, a alma gêmea. Então quando você escuta que jamais haverá outra pessoa que te ame. Você pensa:” Shiiiii Lascou! Perdi a possibilidade de ser feliz!”
Será então que você só pode encontrar o amor apenas uma vez na vida? Será que não poderiam existir os homens e as mulheres de nossas vidas, cada um com suas particularidades? Esses questionamentos despontam no coração de quem já sofreu com o mito da alma gêmea, a ponto de perder a fé nesse tipo de amor e combater implacavelmente essa ilusão.
Nos moldes sociais que vivemos ter ao seu lado alguém que te complete passou a ser um ideal obsoleto! Isso mesmo! Raciocine comigo: a vida social exige muito de você, querida! Precisamos ter excelência no que somos e no que fazemos. Dia após dia lutamos para sermos completas, uma cobrança do mundo e de nós mesmas. Superar não é mais verbo é palavra de ordem. Quando você aceita que o Alguém que está ao seu lado é tudo o que falta em você, sua evolução, nas diversas esferas, fica comprometida. Você não pode trabalhar as suas deficiências, e consequentemente caminhar na linha evolutiva, porque isso deixaria o parceiro sem um papel a desempenhar na sua vida.
Encontrar a outra parte para resgatar a antiga natureza não é mais sinônimo de felicidade. Em tempos de “lovers centers”; relações rápidas, fáceis e intensas. A unicidade cedeu espaço para a ansiedade dos corpos pela substituição repentina por outro corpo. Uma quase libertinagem mórbida.
Verdade, que diante desse panorama o mito da esfera não se torna tão ruim. Bem! Na medida certa ele pode até ser válido, afinal nos conduziu até aqui e continuará regendo as canções de amor, os contos e a vida de muita gente. Mas percebo que as pessoas mais sábias trocaram a relação de complemento pela de ganho real. Aquela que se baseia no amor por outro que possui características que reforçam as suas, o casal seria resultado de uma soma, para então multiplicar-se. Os amantes de hoje primam pelo companheirismo, alguma similaridade e são almas que, juntas, buscam melhorias mútuas e se permitem mudanças. Talvez a grande sacada seja a mudança contínua, não como uma lei de mercado a fim de driblar a monotonia, mas funciona como um estímulo ao aprimoramento. Você não está nem além e nem a quem do outro, há um equilíbrio que passa pelo abandona-se para descobrir e redescobrir o outro a cada passo.
Por fim amigas, quando alguém voltar a dizer que ninguém mais amará você, relaxe! Primeiro, se seu romance acabou é sinal que aquele amor não era adequado para você. Segundo, não estamos mais na Era de Platão, já existe formas mais saudáveis de relacionamento.
Cheiro Aurorinha!
Vero, nesses tempos de amores líquidos, em que a fila anda, não dá mais mesmo pra ficar nessa de viuvez eterna. É até importante "curtir o luto" pra absorver e compreender que o babado acabou, mas não deitar no caixão do infeliz que te prometeu amor eterno (e levou com ele o seu amor para a eternidade). Não mesmo, Cinderela, vai lá no Centro que a Casa Pio, Exposende, Sapataria Nova tão aí pra isso e com certeza vão existir pares e pares de sapatos ma-ra-vi-lho-sos que, ainda que façam um calinho aqui acolá, vão dar certinho nos seus pés. Beijos e parabéns pelo ótimo texto! ^^
ResponderExcluir