sábado, 11 de fevereiro de 2012

A culpa é de Platão

    
    “Nunca haverá neste mundo alguém que te ame como eu!” Profundo, não? Tenho que admitir que a criatura que profere esse clichê tem autoestima elevada e confiança exacerbada no seu potencial amoroso. Um amor de potência atômica, capaz de devastar o terreno onde foi jogado. Neste caso, só resta se compadecer com a vítima desse amor, afinal foi dada uma sentença de morte amorosa, “nunca mais haverá!”...jamais, never!

     Quando escuto coisa do tipo, inevitavelmente lembro-me dos galãs com nomes compostos das novelas mexicanas. Só pessoas de sangue temperado com “chilli”, são capazes de tamanha dramaticidade. Pobre sentenciada!.....que depois  da desagradável afirmação é invadida por uma carga emocional densa, equivalente a uma descarga elétrica. Os dias passam e ela começa a crer que o tempo (senhor do alívio) fará o amargo cotidiano perder o lugar. Mas eis que o desespero emerge, se instala e leva embora sua frágil fé.
     
     Esse é o ponto que eu quero chegar: o desespero. Ele nasce do amor rejeitado que ainda impregna o coração e abre clareira para que o medo se estabeleça. Medo de jamais conseguir ser feliz novamente.

 Em dias como esses em que vivemos, é difícil conviver com a possibilidade de ser infeliz. Nunca se buscou tanto a felicidade, que virou uma espécie de mito contemporâneo. Para algumas mulheres encontrar alguém que lhes completem é um dos caminhos para essa tal felicidade.  Esse amor complemento é um câncer cultural difundido por Platão na sua obra O BanqueteExplico: quem o leu deve lembrar que no elogio feito por Aristófane  ele cria o mito da esfera. Ele conta que no princípio homens e mulheres formavam um único ser de força extraordinária, o que fez essa criatura escalar o céu para enfrentar os deuses. Como castigo o ser foi separou dando origem a dois seres. Mutilados, eles tentavam desesperadamente, através do beijo e do enlace, recuperar a parte que lhes completavam. Segundo essa história, o amor nasce da falta que a outra parte faz, o mito legitima a unicidade no amor. Apenas um Alguém, em todo o cosmo, pode te completar. A partir desse viés a história da querida Cinderela, dona do exclusivo e intransferível sapatinho de cristal, faz todo sentido, salta do conto de fadas para o mundo real.

      Estamos, a mais de dois milênios, fadadas a procurar a outra metade da esfera, a banda da laranja, a alma gêmea. Então quando você escuta que jamais haverá outra pessoa que te ame. Você pensa:” Shiiiii Lascou! Perdi a possibilidade de ser feliz!”
Será então que você só pode encontrar o amor apenas uma vez na vida? Será que não poderiam existir os homens e as mulheres de nossas vidas, cada um com suas particularidades? Esses questionamentos despontam no coração de quem já sofreu com o mito da alma gêmea, a ponto de perder a fé nesse tipo de amor e combater implacavelmente essa ilusão.

     Nos moldes sociais que vivemos ter ao seu lado alguém que te complete passou a ser um ideal obsoleto! Isso mesmo! Raciocine comigo: a vida social exige muito de você, querida! Precisamos ter excelência no que somos e no que fazemos. Dia após dia lutamos para sermos completas, uma cobrança do mundo e de nós mesmas. Superar não é mais verbo é palavra de ordem. Quando você aceita que o Alguém que está ao seu lado é tudo o que falta em você, sua evolução, nas diversas esferas, fica comprometida. Você não pode trabalhar as suas deficiências, e consequentemente caminhar na linha evolutiva, porque isso deixaria o parceiro sem um papel a desempenhar na sua vida. 

     Encontrar a outra parte para resgatar a antiga natureza não é mais sinônimo de felicidade. Em tempos de “lovers centers”; relações rápidas, fáceis e intensas. A unicidade cedeu espaço para a ansiedade dos corpos pela substituição repentina por outro corpo. Uma quase libertinagem mórbida.
Verdade, que diante desse panorama o mito da esfera não se torna tão ruim. Bem! Na medida certa ele pode até ser válido, afinal nos conduziu até aqui e continuará regendo as canções de amor, os contos e a vida de muita gente. Mas percebo que as pessoas mais sábias trocaram a relação de complemento pela de ganho real. Aquela que se baseia no amor por outro que possui características que reforçam as suas, o casal seria resultado de uma soma, para então multiplicar-se. Os amantes de hoje primam pelo companheirismo, alguma similaridade e são almas que, juntas, buscam melhorias mútuas e se permitem mudanças. Talvez a grande sacada seja a mudança contínua, não como uma lei de mercado a fim de driblar a monotonia, mas funciona como um estímulo ao aprimoramento. Você não está nem além e nem a quem do outro, há um equilíbrio que passa pelo abandona-se para descobrir e redescobrir o outro a cada passo.

    Por fim amigas, quando alguém voltar a dizer que ninguém mais amará você, relaxe!  Primeiro, se seu romance acabou é sinal que aquele amor não era adequado para você. Segundo, não estamos mais na Era de Platão, já existe formas mais saudáveis de relacionamento. 


Cheiro Aurorinha!


Um comentário:

  1. Vero, nesses tempos de amores líquidos, em que a fila anda, não dá mais mesmo pra ficar nessa de viuvez eterna. É até importante "curtir o luto" pra absorver e compreender que o babado acabou, mas não deitar no caixão do infeliz que te prometeu amor eterno (e levou com ele o seu amor para a eternidade). Não mesmo, Cinderela, vai lá no Centro que a Casa Pio, Exposende, Sapataria Nova tão aí pra isso e com certeza vão existir pares e pares de sapatos ma-ra-vi-lho-sos que, ainda que façam um calinho aqui acolá, vão dar certinho nos seus pés. Beijos e parabéns pelo ótimo texto! ^^

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